quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A minha "São São Paulo, tão singular e plural"

        Um dia conheci São Paulo, há mais ou menos 19 anos. Depois residi por lá, não exatamente na capital, mas próximo, muito próximo de lá. Mas foi recentemente, posso afirmar, que de fato, conheci essa bendita cidade . Dessa vez uma experiência breve, porém profunda, capaz de mexer com todos os meus sentidos, dos mais belos aos mais cruéis. E foi com a sensação de sufocamento que minha aventura começou, mas nem passando por essa situação causada pela baixa umidade do ar eu seria capaz de recuar. Por ora até achei que morreria ali, sem respirar, mesmo estando em plena praça da luz, rodeada por árvores, animais, flores, lagos e pedras, cercada de vida! Ok há um contraponto e tanto, mas era a mais dura realidade, a cidade de tão revoltada com as maldades humana expõe suas tristezas desse jeitinho, um exemplo claro é ela recusar-se a derramar se quer uma "lágrima" causando a maior seca que o estado já passou. 
           Mas a cidade é tão extasiante que deixemos de lado essas duras questões.  O  ar é renovado e purificado a cada instante por tantos encantos que o tal santo tem. Entro no metro, pela primeira vez na vida, aos 29 anos, e vejo que nada ali naquela grande metrópole, absolutamente nada pode ser tido como distante. Em questão  pouquíssimos minutos somos transportados para onde desejarmos, como num simples passe de mágica (se for final de semana, claro!). São Paulo é uma cidade onde tudo é possível. É possível sobreviver ao ar seco, a frieza das pessoas, (nem todas), conviver com o vai e vem dos carros, com o barulho constante, com as mudanças bruscas de temperatura, com a velocidade do metrô contraponto os longos e amargurantes congestionamentos, com os artistas e as artes presenteando os transeuntes. É possível até achar beleza na vermelhidão cercando o pôr do sol, mesmo sabendo que aquele fenômeno é fruto da nossa irresponsabilidade. São sim tantos pontos e contrapontos... São tantas perguntas e ali mesmo obtemos as respostas, como num caça palavras. São Paulo é o lugar onde mora o resumo do Brasil, ou melhor, do mundo. Mas é um resumo grande, desses sem revisão, sem correção, sem abreviações.
        A primeira vez que estive em São Paulo eu era uma menina, um tanto sonhadora até, mas era uma menina. Mal sabia das coisas. Da segunda vez em que retornei eu me senti mal por estar ali, a cidade parecia fria demais para mim, grande demais para eu me achar e não tinha se quer uma pitada de acolhimento do qual fui cercada a vida inteira. Eu queria sair correndo, voando. Na verdade pouco importava como eu escaparia dali, eu apenas não queria ficar. Voltar para o meu lar, para o meu universo particular que mesmo sendo  do tamanho de um pequeno bairro paulistano, era sim o bastante para mim naquele instante. A minha pequena e grande cidade  supria todas as minhas necessidades, eu não precisava estar ali, perdida, reprimida, sofrida, corrida. Eu preferia estar comigo mesma na bolha mágica que era Brejões, ao lado dos meus amores, podendo dar conta de todos os meus passos, de todos os meus lapsos. Não precisava de São Paulo, ela era incompreensível e mal me compreendia, era um verdadeiro enigma. Sendo assim, parti. Foi à melhor coisa que me ocorrerá naquele momento. A experiência foi tão traumática que só consegui voltar a São Paulo, dentre outras circunstâncias, após 15 anos desse ultimo ocorrido.

         Ah, desta vez eu já estava grande, não só no tamanho, mas grande o suficiente e transbordando de sonhos, de referencias, de experiências, de curiosidades, de anseios e, no entanto em busca de mais e mais e mais tudo o que ali eu pudesse carregar na mala, mesmo que me fosse cobrado excesso de bagagem. Eu sabia que dessa vez seria diferente de tudo o que eu já havia vivido ali. São Paulo já soava pra mim como poesia. Soava como canção. Era um corpo flutuando no ar. Era uma esquina atuando sem palco. Então entendi que mesmo só tendo quarenta e oito horas para viver tudo o que vivi não seria o suficiente, claro, mas seria o bastante nesse momento para eu recomeçar. Sim, recomeçar! Voltar de São Paulo seria para mim um infinito recomeço. 
       Estar nas Avenidas eternizadas e mais famosas do Brasil pelo poeta Caetano Veloso, a Avenida Ipiranga e Avenida São João, (tão poético), andar pela Praça da Sé e lá, eu como amante de igrejas avistar a gótica e bizantina catedral metropolitana de São Paulo, admirar a arquitetura de Niemayer, ver uma de suas belas obras como o sinuoso edifício Copan, parar em frente ao Teatro Municipal, olhar para o céu e expressar de perto o desejo mais intimo que possuo como atriz de um dia poder estar ali com as luzes da ribalta acesas e apontadas para mim era demais para a grandiosidade dos meus sonhos. Ah, aproximar-se da Av Paulista, o lugar mais badalado culturalmente em São Paulo, repleto de parques, museus e etc. Saborear o vasto cardápio regional brasileiro das palavras expressas por todos nós no museu da língua portuguesa e também ali sentir na pele o gostinho gostoso de cada palavrinha dos poemas declamados por artistas diversos, inclusive nordestinos. Usufruir da arte exposta em cada cantinho da Pinacoteca, caminhar pela estação da luz, caminhar pela praça das artes, andar de trem, olhar para cada túnel como se estivesse em uma galeria pública e acessível a céu aberto, ver pessoas completamente diferentes, particulares, controversas e dinâmicas. Ah, São Paulo! Passar pelo Ibirapuera e mesmo dentro de um carro poder sentir a brisa e o cheiro de arte que aquele lugar exala. Ai, minha querida São Paulo, tu és bela, tu és luz, tu és tudo o que todos deveriam ter, tu pode até não ser a Bahia, mas posso dizer que tu és sim singular e plural.           
        Mas eu me dera conta de que estava ali bem aos pouquinhos, talvez até ao passar dos dias, mas o importante é que me dei conta. Ainda voltarei para apalpar cada canto já explorado e para explorar todos os outros dos quais não explorei. Voltarei para confirmar se tu serás um dia o meu lar ou então voltarei apenas para ter a certeza de que tu és o antídoto que todo Ser precisa para revigorar, renascer, transbordar e “cartasear-se”!!! Tu estas aqui, em cada canto do meu corpo, tu estás em mim com um caso breve de amor, mas tão profundo, e mesmo com a brutal deslealdade do tempo, deixou de ser marcante, de ser intensa, de ser inteira. Tu estás nas minhas roupas abarrotadas na mala que mal posso desfazê-la, pois continuo esperando ansiosa por um novo voo. Tu estás em meus mais íntimos pensamentos, como algo proibido, instigante, provocante. Tu me chama a cada noite, me acorda a cada pesadelo, perturba os meus dias, as minhas horas de descuido. Tu se mete em tudo o que eu faço, como se tu fosse o protagonista de um filme de Almodóvar e queres me decifrar. Tu permeia as minhas canções, os meus horários, os meus almoços, meus compromissos. Tu és ousada e não me deixas mais em paz. Eu voltarei para teus braços, dormirei em teus telhados, ouvirei os teus sussurros e caminharei em teu ritmo, mesmo o mais apressado. Ah, minha querida “São São Paulo”, como denominou o nosso caro Tom Zé, eu voltarei para ti e antes que a morte nos separe  faço das palavras de Gonçalves Dias as minhas juras de amor: “Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá; sem que desfrute os primores que não encontro por cá”. Evoé!!!